Indômito - Capítulo 1




Quando foi que a vida de Rafe tinha virado de pernas para o ar, ele não saberia dizer. A chuva caia inclemente naquele dia frio de final de outubro. Estava apoiado na janela da sala de seu pequeno apartamento, na zona leste de Londres. Imerso na total escuridão enquanto observava o ritmo frenético das pessoas que iam e vinham lá embaixo.

Nada na sua vida tinha sido fácil.

Parecia que desde que era um bebê, sempre foi posto à prova. Nasceu prematuramente e, logo em seguida detectou-se que sofria de cardiopatia congênita. Então ainda recém-nascido precisou passar por uma cirurgia, a pequena cicatriz estava lá em seu peito, lembrando-o sempre de sua condição.

Mais tarde quando estava na pré-escola, numa noite quando voltava para casa, sofreu um grave acidente de carro, e seus pais vieram a falecer. Desde então tinha sido criado por seus avós, pais de seu pai, já que sua mãe era norueguesa e, não tinha família no país. Tornou-se uma criança solitária, imersa nos livros, fechada em si mesma. Só depois de muita terapia melhorou.

Ainda bem que teve muito apoio e carinho por parte de seus avós. Lyle e Iris tinham conseguido dar a ele, um lar estável e amoroso.

Lá pelos dezesseis, ele que nunca antes tinha sido notado, percebeu o seu potencial com as meninas. Foi nessa época, que alcançou o um metro e oitenta e cinco que tinha hoje em dia e, a participação do time de rúgbi da escola ajudou com a sua constituição física muscular. Era a combinação perfeita entre o cara quente muito disputado pelas meninas da escola e o nerd viciado em criação de jogos e softwares.

Seus avós foram cuidadosos com o dinheiro que seus pais haviam deixado. Eles sabiam que era desejo de seu querido filho único e de sua nora, que Rafe pudesse estudar se um dia desejasse. Portanto, a casa onde eles moravam tinha sido alugada e, juntamente com o restante do dinheiro, foi aplicado em vários fundos ao longo dos anos.

Quando chegou a hora, ele inscreveu-se em várias escolas. Tinha uma pontuação e um currículo invejável, mas quando chegou à carta de Cambridge, ele não coube em si de contentamento, mesmo sabendo que teria que trabalhar parte do tempo, para custear as despesas com livros e moradia, qualquer coisa valeria a pena para realizar o seu sonho.

Seria uma longa jornada. Primeiro quatro anos na escola de engenharia, depois mais três anos em ciências da computação. Mas não importava, isso era tudo o que ele mais queria no mundo.

Lembrava-se disso tudo com uma saudade boa, quase não podia acreditar que todos aqueles anos já havia se passado.

Foi na época da faculdade que ficou fascinado por tatuagens e começou a colecioná-las. Começou tatuando um coração real do lado esquerdo de seu peitoral, destacando sua cicatriz. Homenageou seus pais e, depois seus avós. Quando deu por si, tinha todo o torso e, as duas mangas totalmente tatuados, numa arte complexa e intrincada. Restavam poucos espaços em branco disponíveis em sua pele.

Hoje, aos vinte e oito anos, já estava formado há dois e, trabalhava numa pequena empresa como designer de jogos. Nas suas horas livres, trabalhava em projetos próprios, onde acreditava que estava o seu futuro.

Tinha sido há dois anos também que conheceu Erie, sua namorada. E Deus, ela era linda. Alta, esguia, mas curvilínea. As pernas que não terminavam nunca. Os olhos verdes claro de um felino, os cabelos escuros e brilhantes que caiam em ondas por suas costas. A boca carnuda naturalmente vermelha era uma tentação que ele dificilmente resistia. A pele que ela mantinha sempre bronzeada, mesmo no inverno. Ela poderia ter sido modelo da Victoria Secrets.

Tinha um caráter afável e, a convivência com ela era fácil, portanto após um ano de namoro, resolveram morar juntos. Eles alugaram o pequeno apartamento na zona leste de Londres. Assim ficavam próximos aos seus avós e também dos pais dela.

Erie trouxe para o apartamento o seu gato que já tinha certa idade. Iggy foi batizado em homenagem à Iggy Pop e, era um vira-lata preto-e-branco de olhos azuis brilhantes, cheios de manias. Logo se afeiçoou a Rafe e, quando não estava dormindo na pia do banheiro, estava deitado no tapete ao lado do escritório onde ele trabalhava noite adentro.

Suas roupas, bolsas e sapatos ocupavam a maioria do espaço no pequeno closet. Nada disso importava a Rafe, para ele o básico era o suficiente.

Mas notou que nos últimos tempos, Erie estava distante. Ele tinha tentado de tudo. Primeiro tentou conversar com ela, sem sucesso. A impressão que teve foi que ela se isolou ainda mais. Então optou pelo silêncio e, ela o acusou de ser indiferente. Depois disso, tudo era desculpa para discussões sem fim. Começou a sair mais cedo para o trabalho e voltar mais tarde. Sempre corria para atender ao seu telefone. Rafe já nem se dava ao trabalho de tentar.

Tudo isso ele tolerou, mas quando ela começou a evitar o seu toque, aí o bicho pegou. No começo foram os pequenos toques, andar de mãos dadas ou beijos em público. Ele estranhou, mas não disse nada.

Então o sexo que era muito bom e frequente, limitou-se a ela abrindo as pernas debaixo dele, de preferência com o mínimo de carícias e, o mais rápido possível. Ela não se dava ao trabalho de simular o seu desgosto. Também voltou a exigir que ele usasse preservativo e refizesse todos os exames periodicamente.

Todos os sinais tinham estado na sua cara, mas Rafe se recusou a ver. Certo dia, quando voltou do trabalho, encontrou o apartamento praticamente vazio. Erie tinha levado todas as suas coisas. Ele se jogou no sofá atrás dele e, se deixou afundar. Apoiou os cotovelos nas pernas e, enfiou os dedos em seu cabelo rebelde que ele mantinha mais comprido que o aceitável socialmente. Preconceitos idiotas, pensava ele.

Não saberia precisar quanto tempo ficou ali, voltou a si, somente quando o gato resolveu esfregar-se em suas pernas, como se soubesse que ele precisava ser consolado. Iggy olhou para cima em sua direção, olhando em seus olhos e, deu seu típico miado baixo de gato velho.

Nas semanas que se seguiram, Rafe saia somente para trabalhar. O apartamento estava um caos, embalagens de comida congelada e de entregas pelo piso, que ele compartilhava com Iggy. Já não havia como andar por ali sem esbarrar em alguma coisa. A sujeira e o pó reinavam absolutos. A roupa não era mais lavada há muito tempo. O lugar cheirava a xixi de gato, mas ele nem sentia ou se importava mais. Estava sem banho, sua barba tinha crescido demais e, estava ensebada como todo o resto dele. As unhas estavam compridas e encardidas. Olheiras profundas marcavam o seu rosto bonito. Bebia até dormir todos os dias.

Com a sua aparência e os atrasos frequentes, acabou sendo demitido. Depois disso, só saia de casa para comprar mais bebidas, numa loja que ficava a poucas quadras de sua casa.

Foi numa dessas voltas que se encontrou com Brad, um amigo de longa data. Viu-o a distância e tentou esquivar-se dele, não queria ter que falar com ninguém, mas não foi possível.

— O que te aconteceu, cara? Brad o interceptou no meio da quadra, preocupado.

— Nada. Eu estou perfeitamente bem. Sua voz estava distorcida por causa do álcool excessivo.

Ele se aproximou de Rafe e disse discreto, enquanto apertou firme o seu ombro — Eu soube cara. Com isso, não precisou de mais nada, tratou de levar Rafe para casa, antes que ele desmoronasse em público.

Brad correu os olhos pelo desastre que era o apartamento, chocou-se, mas não comentou nada. Encaminhou seu amigo para o sofá e o sentou lá.

Sem dizer uma palavra, pegou um saco de lixo e começou a juntar todas as caixas de comida que encontrou. Limpou a caixa de areia do gato. Colocou a roupa para lavar e, aproveitou para limpar todo o lugar. Trocou a roupa de cama e as toalhas do banheiro. Depois de uma hora fazendo limpeza, o apartamento estava apresentável.

Notou que Rafe, durante todo o processo ficou prostrado no mesmo lugar onde o havia deixado, com o olhar perdido no nada. O gato, o tempo todo, deitado em seu peito.

Brad se dirigiu em silêncio ao banheiro e começou a encher a banheira com água quente. Voltou para a sala e, levantou Rafe do sofá.

— Para com isso, cara! Rafe reclamou agressivo tentando se desvencilhar dele.

— Você quer que eu chame a tua avó aqui? Brad disse calmamente, olhando em seus olhos.

A ameaça velada foi o suficiente para convencer Rafe, que se deixou levar submisso.

Ele perdeu o equilíbrio quando tentava tirar as suas roupas. Brad então o sentou no vaso sanitário fechado e pôs-se a ajudá-lo.

A água estava escaldante e, Rafe quase desistiu de entrar na banheira. Brad, porém persistiu e, o ajudou a tomar banho.

— Você tem que sair dessa, cara. Ele aproveitou que Rafe estava preso na banheira, para começar o seu discurso. — Enquanto você está aqui definhando, a Erie está por aí desfilando com o novo namorado para quem quiser ver. Molhou uma toalhinha na agua quente, ensaboou e esfregou em seu rosto. Provavelmente Rafe teria que ficar um bom tempo de molho na banheira, pensou Brad desolado pelo estado que o seu amigo se encontrava.

O choque estava estampado em todo o rosto de Rafe, enquanto ele ouvia o amigo.

— Essa cadela não te merece. Brad nunca escondeu o fato de que não gostava dela. — O que você ganhou sendo bonzinho, cara?

Rafe abaixou a cabeça muito interessado na água suja da banheira. Não queria ouvir nada daquilo.

— Está na hora de reagir. Quanto tempo faz que ela te deixou?

Aquilo doía demais — Sete semanas, mas quem está contando? Ele respondeu desanimado.

— Nós vamos fazer o seguinte - Brad começou — Você vai terminar de tomar banho, vai fazer essa barba nojenta, cortar as unhas, escovar os dentes e, aí vamos sair para cortar esse cabelo desgrenhado e comprar roupas e sapatos novos.

— Nem pensar! Rafe protestou.

— Não é um pedido, Rafe. A voz de Brad era firme e não admitia réplicas.



Rafe, num ato rebelde, decidiu cortar o cabelo muito curto. Os cabelos longos eram a sua identidade visual de longa data. Pelo que podia se lembrar, provavelmente desde o acidente que matou seus pais, não tinha cortado o cabelo tão curto.

Mais tarde, depois de fazerem as compras necessárias, sentaram-se em seu pub preferido para comer e tomar cerveja.

— Sabe que você tem razão, Brad? Disse pensativo.

— Eu sempre tenho - um sorriso arrogante surgiu em seu rosto — Mas sobre o que exatamente?

— Estou de saco cheio de ser um cara legal. Rafe reclamou cansado.

Brad balançou a cabeça como se fosse a coisa mais óbvia. — Continua. Ele pediu.

— Eu abro portas, pago a conta, dou presentes, cozinho e limpo, sempre procuro que elas venham primeiro, para depois me preocupar comigo.

— Cara, você se esqueceu de como ser homem. Brad disse com desprezo e depois tomou a sua cerveja. — Homem coça o saco e arrota em público sem o menor problema, cara.

Rafe fez uma cara de quem não gostou muito e, continuou — A Erie deixou a porra do gato dela comigo! Ele desabafou — Não me entenda mal, eu gosto do gato, mas segundo ela, o Iggy era um afeto especial, por isso que o trouxe ao apartamento.

— E você também, caralho! Brad bateu na mesa irritado — Eu me lembro muito bem, não a muito tempo atrás, ela dizendo que te amava.

— Você sabe que ela não foi a primeira a me deixar! Ele disse desesperado, passando as mãos pelos novos cabelos, lembrando-se que não tinha mais onde segurar.

— Eu sei, mas agora o tombo foi enorme. Vocês moraram juntos por um tempo.

— O que eu tenho de errado?

— Nada! Brad riu descontraído — Talvez você seja sentimental demais, mas até bonitinho você é!

— Pode rir, mas eu achava que ela era o amor da minha vida.

Brad não riu, ele gargalhou tanto que quase se mijou nas calças. Acalmou-se e secou as lágrimas dos olhos — Você realmente é um idiota.

— Eu sei. Rafe murmurou desanimado.

— Hey! A culpa não é tua.

— Ah não?

— Não, de jeito nenhum! Ele afirmou categoricamente. — Se é pau que elas querem, é pau que elas vão ter!

— Acho que eu sei ser um cretino filho da puta!

Um sorriso torto se insinuou no rosto de ambos.

A partir de agora, Rafe não olharia duas vezes para o lado. Desse momento em diante, seria primeiro ele, segundo ele e depois ele. Sem remorsos, sem ressentimentos. Estava de saco cheio de ser um babaca na mão de mulheres que não davam a mínima para ele.





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Autor Nina Draper

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