Uma das primeiras lembranças que Maya Kendrick tinha de sua vida, foi o dia que voltando para casa do jardim da infância acompanhada por sua babá, descobriu da pior forma possível que a sua querida mãe a tinha abandonado.
Entrou naquele dia como sempre
fazia, gritando e correndo por toda a casa, a sua procura. Checou os banheiros,
a cozinha e o jardim. Tinha urgência em
contar-lhe as novidades. Naquele dia começou a aprender as primeiras letras e,
estava maravilhada com a descoberta.
Maya viu seu pequeno e perfeito
mundo desmoronar quando deu de cara com o seu pai, que esperava por ela no
ateliê da mãe. Ele nunca estava lá naquela hora do dia, mas ela ficou feliz por
encontrá-lo.
Foi a coisa mais difícil que Ewan
teve que fazer. Foi insuportável ver o desespero de sua amada filhinha. Ele se
culpava de ser o portador de tão más notícias. Mesmo ele ainda estava atordoado
com a descoberta do simples bilhete, frio e covarde, deixado por Kate na porta
da geladeira.
Ela que até então era uma menina
extrovertida e feliz, transformou-se praticamente do dia para a noite em
sinônimo de problema. A babá que tinha cuidado dela desde que era um bebê,
pediu demissão, já que o seu suposto anjinho, tinha se transformado num
monstrinho com lindos cachinhos dourados. Depois disso, nenhuma babá durou mais
de quinze dias. E até outros funcionários da casa também pediram demissão.
A rotina da casa se transformou num
caos. E Ewan, já não dava conta de mais nada. A bagunça começou a interferir no
andamento de seu escritório, já que como sócio sênior, muitas das principais
decisões dependiam dele.
Ele culpava sua ex-esposa como o
principal detonador da confusão que reinava agora, naquela casa. Ela
simplesmente tinha esperado que a menina fosse para a escola e, na maior
frieza, simplesmente saiu. Tinha planejado tão bem a coisa toda, que ele não
havia percebido que já tinha feito as suas malas e despachado a maioria de suas
coisas dias antes. Deixou a maioria de seus quadros à venda numa galeria e,
saiu porta afora, sem olhar para trás.
Segundo ele, Kate foi uma egoísta
sem coração. Que o tivesse deixado, ele entenderia, era um homem ocupado, quase
sem tempo para a esposa romântica e sonhadora. Mas deixar a filhinha deles em
tão tenra idade? Por mais voltas que desse, não entrava em sua cabeça.
Maya não conseguia entender o que
estava acontecendo a sua volta. Tudo estava mudando rapidamente e de forma tão
drástica. Os primeiros sintomas foram os pesadelos que tinha todas as noites, a
falta de apetite, a agressividade gratuita com que tratava a todos a sua volta
e a queda do rendimento escolar.
Ewan foi chamado na escola quando
ela orquestrou um plano diabólico de vingança contra um grupo de meninas que a
tinham excluído de seu grupo, justamente por seu comportamento agressivo e
discussões violentas com os demais membros. Quase foi expulsa dessa vez, fato
exigido pelos outros pais, já que várias delas tiveram a pele e o cabelo
danificado, pela "brincadeira" de Maya. Ewan, como excelente advogado
que era, conseguiu contornar a situação com a promessa de que sua filha faria
terapia intensiva.
E foi na terapia que ele conheceu
Emma Ward que era psicóloga de sua filha. Percebeu que ela tratava a sua menina
muito bem. Maya sentia-se à vontade perto dela. E, foi com a paciência que teve
que pouco a pouco, a menina se aproximou do que era antes. Talvez, ela fosse a
figura feminina de que a filha tanto necessitava.
E, ele ainda era tão jovem! E ela
era tão bonita, tão doce. Emma nunca se importava ou reclamava que quando saíam
muitas vezes precisavam levar Maya junto.
Rapidamente se casaram. Não
demorou em terem filhos e, em seguida três novos bebês corriam pela casa. Emma
era amorosa e dedicada e, Maya sentiu-se incluída na nova família e,
surpreendentemente, dava-se bem com as duas irmãs e o irmão que ganhou.
Os problemas de autoestima e
rejeição continuaram. A raiva estava sob controle, mas ainda estava lá pairando
como uma nuvem negra sobre a sua cabeça, pronta para explodir.
Descobriu que a atenção dos
meninos era mais que bem-vinda e o sexo uma ótima válvula de escape.
Portanto, na adolescência andava pelos
corredores da escola como se fosse uma rainha com o seu séquito de bajuladores
atrás dela, prontos para atenderem a qualquer pedido.
Era uma aluna excelente e,
recebeu vários prêmios em projetos de matemática, química, física e artes. Fez
parte da equipe de esgrima e de ginástica artística. Foi a oradora de sua turma
do ensino médio.
Desde cedo, mostrou interesse em
programação e desenvolvimento de softwares. Estava na oitava série quando criou
a intranet e desenvolveu um aplicativo eficiente para o seu escritório de
advocacia. Diante do sucesso, Ewan então decidiu contratar um tutor para ela,
que era professor na East London University. O seu raciocínio rápido e lógico o
surpreendeu. Maya que ainda era uma menina do ensino fundamental era melhor que
seus alunos da universidade.
Entrou em Oxford com uma nota
excelente e, logo conheceu Zane Roberts, um nerd típico. Era desengonçado,
alto, com cabelos ruivos que caiam sobre seu rosto, e vibrantes olhos verdes.
Tinha o rosto salpicado com sardas. Sempre se atrapalhava com alguma coisa, era
um desastre total com as coisas práticas da vida, mas no geral era muito calmo.
E apesar da diferença abismal de personalidade, deram-se bem quase
imediatamente. Ele tinha a paciência necessária para lidar com a complexidade
dela.
Desenvolveram vários projetos
juntos com relativo sucesso entre a comunidade estudantil. Já eram bem
populares devido aos jogos criados e à mídia social que desenharam. Tinham tudo
catalogado num site que mantinham para a
pequena empresa que criaram, a Teqron. Ewan os ajudava com a parte legal,
registrando a propriedade intelectual de suas criações.
Um belo dia de primavera, Maya
teve uma ideia brilhante e, dividiu-a com Zane. Começaram então a desenvolver
uma nova plataforma. Depois de muitas idas e vindas tinham criado um sistema
operativo revolucionário, que era desejado por todos.
Não sabiam o que lhes atingiu.
Praticamente da noite para o dia, aos vinte e um anos eram milionários e,
estavam em todos os sites, revistas e jornais do mundo.
Começaram numa pequena casa, na
zona oeste de Londres. Mas o volume de negócios, e a quantidade de
funcionários, obrigou-os a mudar-se para um edifício comercial, onde alugaram
os cinco últimos andares. Agora, fazia um ano que tinham se mudado novo
edifício corporativo, na revitalizada zona leste de Londres, próximo ao Parque
Olímpico.
Mas Maya, apesar de ser um
prodígio, continuava com os problemas que carregou durante toda a vida. A
diferença é que agora, aos vinte e sete anos, era cínica o suficiente para
disfarça-los. E no geral, era uma cadela com todos que cruzavam o seu caminho.
Era temida por todos os seus subordinados, porque ela não pensava duas vezes em
esculachar quem quer que fosse, no lugar que estivesse. Não tinha compaixão por
nada e por ninguém. Era detestada por todos, que secretamente a chamavam de
Bruxa Pigmeia, devido à sua baixa estatura. Todos preferiam tratar com Zane que
era muito mais afável.
O único que não podia se dar ao
luxo de fugir do mau humor e de sua ira, era Theo Parker seu secretário. Ao
longo dos últimos seis anos tinha aprendido a lidar com ela e a contornar as
suas famosas crises.
Mas, naquela manhã em particular
estava atrasado, já que teve que passar a noite no hospital com a sua mãe que
teve uma intoxicação alimentar. Era sua função, estar com uma xícara de chá
pronta sobre a mesa de Maya, na temperatura correta, sem muito açúcar, antes
que ela chegasse ao escritório.
Desceu do taxi e entrou no
edifício correndo como um louco. Olhou o relógio, enquanto esperava pelo
elevador, batendo o pé impaciente. Por que tinha que demorar tanto? Sentia que
uma fina camada de suor frio já lhe cobria o rosto. Também não tivera tempo de
barbear-se. Correu do hospital para casa e, somente teve tempo de jogar uma
água no rosto e trocar rapidamente as roupas do dia anterior. Deus, ele estava
um desastre.
O elevador lotou e, conseguiu
parar em todos os andares possíveis. Subia a passo de tartaruga. Que agonia!
Theo checava inutilmente o seu relógio segundo a segundo.
Não acreditou quando ouviu o
sinal sonoro que indicava ter chegado ao quadragésimo primeiro andar. Correu em
direção à sua mesa e, literalmente jogou suas coisas lá. Depois foi em direção
à cafeteria para preparar o famoso chá de sua chefe.
Corria com a xícara, o pires, a
colher e companhia pelos longos corredores, quando trombou de frente com Maya
que chegava ao escritório. Ele fechou os olhos, respirou fundo e esperou pelo
pior. Passaram-se alguns segundos angustiantes e nada.
Quando teve coragem de encara-la,
ela o olhava como se fosse um vulcão prestes a entrar em erupção. Olhou devagar
para a xícara quebrada aos seus pés e de volta para ele com uma falsa calma.
Depois olhou para o seu vestido de tweed azul bebê. O chá era rapidamente
absorvido pelo tecido sofisticado e, deixou uma mancha escura e enorme na
frente da peça.
Não teve "bom dia" nem nada.
— Você tem a mínima noção de
quanto custa esse vestido, Senhor Parker? Ela perguntou com uma raiva
sussurrante, enquanto passava a mão por seus curtos cabelos.
Ele olhava para ela paralisado de
medo com os olhos arregalados. Não tinha
nenhuma reação.
— Responda Senhor Parker. Acho
que a pergunta não foi tão difícil assim. Ela ironizou com um sorriso
zombeteiro e uma sobrancelha perfeita levantada.
— Não senhora. Ele disse num fio
de voz.
— Acho que não te ouvi direito.
— Não sei, não senhora. Ele disse
mais alto.
— É a porra de um Valentino e,
custou mais de duas mil libras, querido. Ela gritou a plenos pulmões.
— Eu vou providenciar a lavagem a
seco, senhora.
— Eu quero você em cinco minutos
na minha sala, com uma nova xícara de chá e a agenda do dia.
Ele engoliu em seco, assentiu e
correu para cumprir as ordens dela.
Que ninguém se engasse com o seu
aspecto angelical e pequena estatura. As feições delicadas demarcadas por
grandes olhos cinzas , claros e brilhantes, as bochechas coradas e a pequena
boca de onde saiam os mais terríveis impropérios.
Ainda estava para surgir a boa
alma que domaria a megera Maya Kendrick.
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